O fim do regime semiaberto: um debate (des)necessário
A instituição da progressão de regime na execução penal (art. 112 da
LEP) tem como gênese a pretensão de retornar gradualmente o condenado ao
convívio social como forma de atingir mais efetivamente sua reinserção
na sociedade. A previsão era de que no regime semiaberto o apenado
deveria cumprir a pena de forma menos rigorosa e com algum tipo de
trabalho, seja dentro das colônias penais ou estabelecimentos prisionais
similares, ou então, que exercesse trabalho externo, sem a necessidade
de escolta, com o atendimento de algumas exigências como a
responsabilidade com horários e apresentação de cópias de livros pontos,
bem como de saídas temporárias autorizadas para visitar a família ou
estudar (art. 122-125 da LEP), entre outras, devidamente fiscalizadas
por agentes de órgão competente.
Porém, há alguns anos atrás, ocorreu que a falta de vagas para
atender o regime semiaberto acabou por influenciar, em tese, o número de
evasões dos estabelecimentos. Não tendo como atender a novas
progressões, o sistema prisional passou a “retardá-las” em alguns casos,
fazendo com que apenados, líderes de facções existentes dentro do
próprio sistema, forçassem as evasões para que seus membros pudessem
usufruir de um regime de cumprimento de pena mais brando. Hoje em dia
não é necessário a coação das facções para que o apenado se evada, haja
visto as facilidades – leia-se falhas, que o sistema apresenta.
Seja pela falta de material humano ou pela precariedade na estrutura
das casas prisionais, a verdade é que o regime semiaberto tornou-se, ao
longo dos anos, uma espécie de colônia de férias para os apenados e
porta de saída para o cometimento de crimes com álibi garantido. Para
explicar como se dá tal infâmia, as conferências de efetivo prisional
são realizadas geralmente até às 22:00 horas e depois somente às 6:00
horas, o que dá aos apenados um tempo considerável para sair, cometer
crimes e retornar no intervalo entre as duas contagens. Lembrando sempre
que a ideia do regime semiaberto prevê a ausência de barreiras físicas
para o apenado, sendo que este deve se considerar preso subjetivamente,
somente pela própria consciência. Uma utopia, certo?
A estrutura precária dos prédios colabora decisivamente para estes
fatos, bem como para a ociosidade dos apenados e a entrada de materiais
ilícitos no sistema. Celulares, drogas, bebidas alcoólicas e armas –
artesanais ou mesmo armas de fogo, são itens comuns nas apreensões
feitas em qualquer operação de revista dentro dos alojamentos do regime
semiaberto na região metropolitana de Porto Alegre. O agora desativado
Instituto Penal de Viamão se tornou exemplo de imagem negativa desde que
foram divulgadas imagens de apenados saindo do estabelecimento à noite
fortemente armados, obviamente com objetivo de cometimento de ilícitos,
bem como a entrada de mulheres que se prostituíam dentro daquele local
em troca de drogas sob a impotência dos servidores. Um descalabro total.
Como se vê, a ideia não deu certo. Chegamos num ponto onde o Juiz da
Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre, também responsável pela
fiscalização dos presídios da região metropolitana, Dr. Sidinei Brzuska,
afirmar que os regimes semiaberto e aberto não tem mais justificativa
de existir. Ao se buscar lastro para amparar tal pensamento, nos
deparamos com o descaso estatal. Em pleno caos penitenciário, servidores
do poder executivo, principalmente da segurança pública, de vários
estados tem seus salários parcelados.
Assistimos notícias de rebeliões em penitenciárias e ficamos chocados
com a selvageria compartilhada pelas redes sociais. Não há investimento
em estrutura penitenciária. O Complexo Penitenciário de Canoas-RS, com
capacidade de mais de dois mil presos, não pode ser inaugurado de forma
plena por falta de servidores e ajustes na estrutura. O Presídio Central
de Porto Alegre teima em existir e ser o pior presídio do Brasil. Se
o regime fechado está deste jeito, o que pensar do regime semiaberto?
Aqui, as poucas ações que existem são invisíveis para a sociedade.
Cursos profissionalizantes,
encaminhamento para trabalho honesto através de parcerias com iniciativa
privada, quando existem não passam de ações isoladas de bravos
administradores e agentes penitenciários que tentam por si só fazer a
diferença. E que luta ingrata, diga-se de passagem! O próprio sistema
prisional aceita a existência de um outro sistema paralelo: o das
facções criminosas. Se o Estado não faz o seu papel, as facções o fazem
amparando primários e reincidentes e, dessa forma, acabam cooptando para
si material humano para o crime.
Em busca de mudanças, há muito se debate a reforma do Código Penal
brasileiro. Tido como ultrapassado, este preceito legal (Decreto-lei nº
2.848, de 07/12/1940) vem sofrendo ataques das camadas mais radicais da
sociedade que exigem um tempo maior de reclusão para quem sofrer
condenação penal. Para tanto, tramita no Senado Federal o PLS nº
236/2012, o qual, entre outras mudanças, estabelece novos e mais
extensos lapsos temporais para a progressão do regime fechado para o
semiaberto.
Atualmente, para progredir de um regime para outro, o lapso temporal
varia de 1/6 até 3/5 da pena conforme a gravidade do crime (comum ou
hediondo) ou reincidência específica. Pelo projeto esta variação passa
de 1/3 a 3/5 conforme a gravidade do crime (se comum ou hediondo) ou
pela reincidência específica. Aumenta-se, portanto, o tempo de cumprimento da pena em regime mais gravoso, o fechado.
Não obstante, o Projeto de Lei
3.174/2015, de autoria do deputado gaúcho Giovane Cherini, extingue de
pronto o regime semiaberto, mantendo o regime aberto e prevendo que
penas acima de quatro anos sejam cumpridas inicialmente no regime
fechado. Sendo assim, para progredir para o aberto, o apenado deverá ter
cumprido 2/3 da pena. Pela lei em vigor, o regime inicialmente fechado é
cumprido a partir da condenação a oito anos. Novamente, constata-se o
aumento do tempo de cumprimento da pena em regime fechado. A pergunta é:
onde alojar os condenados que já superlotam os estabelecimentos do
regime fechado atualmente?
Os dois projetos de lei demonstram visivelmente a preocupação não com
a impunidade, mas com uma maior e comprovadamente ineficaz forma de
punir, uma vez que não se fala em investimentos no sistema prisional.
Não se vê no horizonte de tais projetos os bloqueadores de sinal para
aparelhos móveis, número mínimo de viaturas para realização de
audiências e transporte de apenados conforme a capacidade do
estabelecimento prisional, encaminhamento de egressos para trabalho
digno e honesto, seja unicamente por iniciativa estatal ou em parceria
com a iniciativa privada, cursos profissionalizantes, enfim, joga-se
unicamente para a torcida, para a sociedade sedenta por encarceramento. O
regime semiaberto, cuja principal virtude seria a reinserção gradual do
apenado à sociedade, mostrou-se ineficaz e inviável para o sistema
prisional brasileiro, mas incrivelmente não por sua culpa exclusiva, mas
por importante omissão do Estado.
Em que pese a ideia da sociedade preferir o encarceramento definitivo
do apenado, no sentido de que se cumpra toda a condenação em regime
fechado, no momento em que houver ação estatal para o efetivo
cumprimento da pena que traga dignidade e trabalho para o apenado como
meio de combate a ociosidade, bem como estrutura, embasamento legal para
ações de contenção, respeito e disciplina para os servidores que são
encarregados de sua vigilância, pode ser que o regime semiaberto venha a
lograr êxito em sua nobre intenção. Mas no momento, como as coisas se
encontram, urge não a extinção, mas a reforma e a revisão deste sistema
como última tentativa de lograr êxito na reinserção gradual de apenados
na sociedade.
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