Essa
teoria do doutrinador alemão “Günter Jakobs”, denominada como
“Direito Penal do Inimigo” vem, há mais de 20 anos, tomando
forma e sendo disseminada pelo mundo, conseguindo fazer adeptos e
chamando a atenção de muitos.
De
uma forma sintética, essa Teoria tem como objetivo a prática de um
Direito Penal que separaria os delinqüentes e criminosos em duas
categorias: os primeiros continuariam a ter o status de cidadão e,
uma vez que infringissem a lei, teriam ainda o direito ao julgamento
dentro do ordenamento jurídico estabelecido e a voltar a ajustar-se
à sociedade; os outros, no entanto, seriam chamados de inimigos do
Estado e seriam adversários, inimigos do estado cabendo a estes um
tratamento rígido e diferenciado.
Os
inimigos perdem o direito às garantias legais. Não sendo capazes de
adaptar-se às regras da sociedade, devem ser afastados, ficando sob
a tutela do Estado, perdendo o status
de cidadão.
Jakobs
vale-se dos pensamentos de grandes filósofos como Rosseau, Hobbes,
Kant e Fichte para sustentar suas teorias, buscando agregar valor e
força aos seus argumentos.
Assim,
aos cidadãos delinquentes, terão proteção e julgamento legal; aos
inimigos, coação para neutralizar suas atitudes e seu potencial
ofensivo e prejudicial.
A
sociedade em geral, principalmente aos que sentiram na pele a ação
de criminosos, aos imediatistas, aos que, pressionados, precisam de
uma solução rápida aos problemas criminais, a teoria de Jakobs
poderá parecer, à primeira vista, uma solução quase perfeita.
Os
três pilares que fundamentam a Teoria de Jakobs, que são:
antecipação da punição do inimigo; a desproporcionalidade das
penas e relativização ou supressão de certas garantias processuais
e a criação de leis severas direcionadas à indivíduos dessa
específica engenharia de controle social (terroristas, supostos
líderes de facções criminosas, traficantes, homens-bomba, etc.),
poderiam funcionar perfeitamente em uma sociedade que tivesse
condições e capacidades especiais para distinguir entre os que
mereceriam ser chamados de cidadãos e os que deveria ser
considerados os inimigos.
Atente-se,
porém, ao fato de que não temos capacidade, condições ou
mecanismos para julgarmos com precisão e justiça, tampouco arcarmos
com as responsabilidades que esta teoria traria ao mundo.
Esbarramos
no mesmo problema, por exemplo, da pena de morte, em que muitos
condenados são inocentes e, ainda, no retrocesso que representaria
voltarmos à representação da inquisição, onde foram considerados
inimigos quem não atendia aos ditames do Estado e da Igreja, e do
Holocausto, em que uma nação foi considerada o inimigo e,
independentemente de seus atos, os nascidos judeus eram condenados
aos maus tratos e à morte.
2. BASES FILOSÓFICAS
A
grande base filosófica da teoria de “Jakobs” são os filósofos
Rosseau, Fichte, Kant, Hobbes.
Rosseau,
afirma que qualquer malfeitor que ataque os direito social deixa de
ser membro do Estado, posto que se encontra em guerra com este, como
demonstra a pena pronunciada contra o malfeitor. A conseqüência diz
assim “... ao culpado se lhe faz morrer mais como inimigo que como
cidadão”.(Noções
e Críticas, 2008 p. 25)
De
“modo similar argumenta Fichte”. Quem abandona o contrato cidadão
em um ponto em que no voluntário ou por imprevisão, em sentido
estrito perde todos os direitos como cidadão e como ser humano, e
passa a um estado de ausência completa de direitos.
(Noções e Críticas, 2008 p. 26)
“Fichte
atenua tal morte civil, como regra geral mediante a construção de
um contrato de penitência, mas não no caso de assassinato
intencional e premeditado: neste âmbito, se mantém a privação de
direitos”
(Noções e Críticas, 2008 p. 27) ao
condenado se declara que é uma coisa, uma peça de gado.
Hobbes
tinha consciência da situação, e nominalmente, é também um
teórico do contato social, mas materialmente é preferencialmente,
um filósofo das instituições. Seu contato de submissão – junto
a qual aparece, em igualdade de direito a submissão por meio da
violência não deve entender tanto como um contrato, mas como uma
metáfora de que os futuros cidadãos não perturbem o Estado em seu
processo de auto-organização.
De
maneira plenamente coerente com isso, HOBBES, em princípio, mantém
o delinqüente, em sua função de cidadão. O cidadão não pode
eliminar, por si mesmo, seu status. Entretanto, a situação é
distinta quando se trata de uma rebelião, isto é, de alta traição:
Pois a natureza deste crime está na rescisão da submissão, o que
significa uma recaída no estado de natureza. E aqueles que incorrem
em tal delito não são castigados como súbditos, mas como inimigos.
Kant,
foi quem fez o uso do modelo contratual como idéia reguladora na
fundamentação e na limitação do poder do Estado, situa o problema
na passagem do estado, de natureza (fictícia) ao estado estatal.
Na
construção de Kant, toda pessoa está autorizada a obrigar a
qualquer outra pessoa e entrar em uma constituição cidadã.
Imediatamente, coloca-se a seguinte questão: o que diz Kant àqueles
que não se deixa obrigar. Em seu escrito “Sobre a paz eterna”,
dedica uma extensa nota, ao pé de página, ao problema de quando se
pode legitimamente proceder de modo hostil contra um ser humano,
expondo o seguinte entretanto, aquele ser humano ou povo que se
encontra em mero estado de natureza, priva da segurança necessária,
e lesiona, já por esse estado, aquele que está ao meu lado, embora
não de maneira ativa (ato), mas sim pela ausência de legalidade de
seu estado (status injusto), que ameaça constantemente; por isso,
posso obrigar que ameaça constantemente; por isso; posso obrigar
que, ou entre comigo em um estado comunitário legal ou abandone
minha vizinhança.
Portanto
de uma forma geral todos os filósofos praticamente entendem que o
Direito Penal do Cidadão é o direito de todos, e o Direito Penal do
Inimigo é daqueles que o constituem contra o inimigo: frente ao
inimigo, é só coação física, até chegar à guerra.
Esta
coação pode ficar limitada em um duplo sentido, em primeiro lugar,
o Estado, não necessariamente, excluirá o inimigo de todos os
direitos, neste sentido, o sujeito submetido a custódia de segurança
fica incólume em seu papel de proprietário de coisas, e em segundo
lugar, o Estado não tem por que fazer tudo o que é permitido fazer,
mas pode conter-se, em especial para não fechar a porta a um
posterior acordo de paz.
Mas
isto significa que nada altera o fato de que a medida executada
contra o inimigo só coage. O Direito penal do inimigo do cidadão
mantém a vigência da norma, já o Direito penal do inimigo em
sentido amplo incluído o Direito das medidas de seguranças, combate
perigos, que com toda certeza existem múltiplas formas
intermediárias.
3. VELOCIDADES DO DIREITO PENAL
Conforme
o entendimento do doutrinador Silva Sánchez (Damásio, 2009 p. 02),
existem três "velocidades" para o Direito Penal:
3.1)
Direito
Penal de primeira velocidade: trata-se
do modelo de Direito Penal liberal-clássico, que se utiliza
preferencialmente da pena privativa de liberdade, mas se funda em
garantias individuais inarredáveis.
3.2)
Direito
Penal de segunda velocidade: cuida-se
do modelo que incorpora duas tendências (aparentemente antagônicas),
a saber, a flexibilização proporcional de determinadas garantias
penais e processuais aliada à adoção das medidas alternativas à
prisão (penas restritivas de direito, pecuniárias etc.).
No
Brasil, começou a ser introduzido o Direito Penal na segunda
velocidade com a Reforma Penal de 1984 e se consolidou com a edição
da Lei dos Juizados Especiais (Lei n. 9.099, de 1995).
3.3)
Direito
Penal de terceira velocidade: refere-se
a uma mescla entre as características acima, vale dizer, utiliza-se
da pena privativa de liberdade (como o faz o Direito Penal de
primeira velocidade), mas permite a flexibilização de garantias
materiais e processuais (o que ocorre no âmbito do Direito Penal de
segunda velocidade). Essa tendência pode ser vista em algumas
recentes leis brasileiras, como a Lei dos Crimes Hediondos, Lei n.
8.072, de 1990, que, por exemplo, aumentou consideravelmente a pena
de vários delitos, estabeleceu o cumprimento da pena em regime
inicialmente fechado com lapso temporal mais rigoroso para a
progressão de regime e suprimiu, ou tentou suprimir, algumas
prerrogativas processuais (exemplo: a liberdade provisória), e a Lei
do Crime Organizado (Lei n. 9.034, de 1995), dentre outras.
4. CARACTERÍSTICAS DO DIREITO PENAL DO INIMIGO
Na
Teoria pura do Direito Penal do Inimigo, o inimigo é considerado uma
coisa e é anulado, não é considerado mais um cidadão e nem mesmo
um sujeito processual. Contra ele não se justifica um procedimento
penal (legal), mas sim um procedimento de guerra.
Quem
não oferece segurança suficiente de um comportamento pessoal não
deve ser tratado como pessoa, pois se assim fosse, o Estado
vulnerária o direito à segurança das demais pessoas, e por isso
deverá ser punido observando o perigo e a ameaça que este
representa no futuro, com uma medida preventiva, e prospectiva.
Muitas
são as críticas acerca desta Teoria, se remetendo a um Direito
Penal nazista, que não se adequa com o Estado Democrático de
Direito, a não observância dos princípios e garantias penais, ou
ainda que este seja também inconstitucional, mas não se quer aqui,
exaurir todos os argumentos a favor desta teoria, e sim, demonstrar
que é possível sim aproveitar reflexos desta, diante do aumento e
desenfreado da violência em nosso país e no mundo.
Lamentoso
dizer que o sistema penal do nosso Estado de Direito é feito apenas
para os “powerless” (impotentes), e não para os “powerful”
(poderosos). O conjunto de garantias e princípios fundamentais
previstos na Constituição Federal foi criado para um seleto grupo
de pessoas moldadas pelo patriotismo, que não atentarão contra o
Estado, e não para os essencialmente criminosos.
O
Estado, na busca constante de proteger princípios e garantias
constitucionais, penais e processuais do agente infrator, acaba por
negligenciar a segurança dos cidadãos não infratores acerca
daquele criminoso. Quando estupram criancinhas ou as fazem de
instrumento do tráfico, ou ainda quando desviam milhões dos cofres
públicos ou atiram aviões em prédios infestados de pessoas
inocentes, não se pensam ou questionam princípios, dignidade ou
Estado Democrático de Direito, e porque agora, em defesa dos
cidadãos corretos, trabalhadores e não criminosos condenam
friamente os poucos reflexos dessa teoria no sistema penal
brasileiro?
Aqui
no Brasil, O Regime Disciplinar Diferenciado é um reflexo
significativo do Direito Penal do Inimigo, sendo considerado pela
grande maioria inconstitucional. Com o advento da lei nº.
10.792/2003, que alterou a Lei de Execuções Penais e inseriu entre
nós o Regime Disciplinar Diferenciado, e trouxe a possibilidade de
“abrigar o preso, provisório ou condenado, sob o qual recaiam
fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer
título, em organizações criminosas, quadrilha ou bando”.
O
§1º do art. 52 desta lei, também caracteriza quase expressamente
traços da Teoria do Direito Penal do Inimigo: in verbis: “(...) O
regime disciplinar diferenciado também poderá abrigar presos
provisórios ou condenados, nacionais ou estrangeiros, que apresentem
alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da
sociedade“ (grifo nosso).
Trata-se,
portanto, tal situação específica da punição não pelo fato
criminoso, regra do nosso ordenamento jurídico, mas pela análise do
autor acerca de seu grau de periculosidade, aplicando um direito
penal prospectivo.
Basta
observar o rol de internos no RDD e suas respectivas infrações para
perceber o quanto se faz necessária a adoção de certas medidas
para que se instaure a paz social.
São
nomes como Marcos Willians Herbas Camacho o popularmente conhecido
como “Marcola”, e Luiz Fernando da Costa o “Fernandinho
Beira-Mar”, dentre outros que são facilmente conhecidos de todos
os brasileiros. São os chamados chefões do tráfico de
entorpecentes. Figuras da mais alta periculosidade e que precisam ser
isolados.
O
que se deve, portanto, é proporcionalizar a Teoria do Direito Penal
do Inimigo, na tentativa de proteger a nossa sociedade daqueles
criminosos que cometem o delito não por causa de uma deficiência
decorrente dos distúrbios sociais, mas pela necessidade de se tornar
efetiva a simples e pura essência do ato.
5. CRÍTICAS AO DIREITO PENAL DO INIMIGO
“Alguns
doutrinadores, como Cancio Meliá:”
(Noções e Críticas, 2008 p. 35),
rejeitam a Teoria do Direito Penal do Inimigo
pelos motivos a seguir sintetizados:
5.1)
O Direito Penal do Inimigo
ofende a Constituição, pois esta não admite que
alguém seja tratado pelo Direito
como mero objeto de coação, despido de sua condição de pessoa (ou
de sujeito de direitos).
5.2)
O modelo decorrente do Direito Penal do Inimigo
não cumpre sua promessa de eficácia, uma vez que
as leis que
incorporam suas características não têm reduzido a criminalidade.
5.3)
O fato de haver leis penais que adotam
princípios do Direito Penal do Inimigo
não significa que
ele possa existir conceitualmente, como uma categoria válida dentro
de um sistema jurídico.
5.4)
Os chamados "inimigos" não possuem a "especial
periculosidade" apregoada pelos defensores do Direito Penal do Inimigo,
no sentido de praticarem atos que
põe em xeque a existência do
Estado. O risco que
esses "inimigos" produzem dá-se mais no plano simbólico
do que
no real.
5.5)
A melhor forma de reagir contra o "inimigo"
e confirmar a vigência do
ordenamento jurídico é demonstrar que,
independentemente da gravidade do
ato praticado, jamais se abandonarão os princípios e as regras
jurídicas, inclusive em face do
autor, que
continuará sendo tratado como pessoa (ou "cidadão").
5.6)
O Direito Penal do Inimigo,
ao retroceder excessivamente na punição de determinados
comportamentos, contraria um dos princípios basilares do Direito Penal:
o princípio do direito penal do
fato, segundo o qual não podem ser incriminados simples pensamentos
(ou a "atitude interna" do
autor).
6. O DIREITO PENAL DO INIMIGO NO BRASIL
De
uma maneira mais branda do que a teoria prevê, pode se perceber
alguns reflexos do direito penal do inimigo no Brasil como, por
exemplo, o Regime Disciplinar Diferenciado instituído pela Lei n.
10.792, de 31 de Dezembro de 2003, a Infiltração policial, e também
o flagrante, que é controlado e regulamentado pela lei nº 9.034/95.
7. CONCLUSÃO
O
Direito Penal do Inimigo é uma Teoria que prevê punições mais
severas e uma tutela jurisdicional penal mais célere ao indivíduo,
que segundo a teoria após passar por alguns estágios, se torna
inimigo do Estado a teoria prevê a separação de delinquentes e
criminosos em duas categorias, o primeiro continuaria a ter status
de cidadão, já no segundo caso seriam chamados de inimigos do
Estado cabendo a estes um tratamento rígido e diferenciado.
Os
inimigos perderiam os direitos e as garantias previstas em lei, e
sofreria uma punição mais rápida e rígida, o exemplo mais
esclarecedor de inimigo, seria a prática do terrorismo, que
infelizmente está se tornando cada vez mais comum na atualidade.
Alguns
doutrinadores criticam a teoria, alegando dentre inúmeros motivos a
falta de observância aos Direitos Humanos, no Brasil essa teoria não
é aceita por causa do art 5º da Constituição Federal, que dispõe
que todos são iguais perante a lei sem diferenciação de inimigo ou
cidadão, mas de uma maneira subentendida, tem seus reflexos
inseridos no ordenamento jurídico, como o Regime Disciplinar
Diferenciado (RDD).
Portanto
concluímos que existem duas correntes Doutrinárias, uma majoritária
desfavorável, alegando como motivo principal a falta de observâncias
aos Direitos Humanos e o conflito com o art 5º, da Constituição
Federal. E outra, minoritária, com conteúdo favorável a Teoria de
Jakobs, concordando que para se instaurar a ordem social, em alguns
casos específicos, deve aplicar-se um tratamento diferenciado a
indivíduos criminosos.
8. REFERÊNCIAS
JAKOBS,
Günter, MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal do Inimigo - Noções e
Críticas. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 3ª ed. 2008. 25-40 p.
Lei
nº. 10.792, de 1º de Dezembro de 2003.
JESUS,
Damásio E. de. Direito penal do inimigo. Breves considerações. Jus
Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1653, 10 jan. 2008. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10836>. Acesso
em: 24 mar. 2009
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