Causalidade e a Teoria da Imputação Objetiva
O ordenamento jurídico brasileiro não prevê expressamente um conceito
para o que se denomina crime. Ao longo do tempo diversas teorias
tentaram explicá-lo por meio de seus elementos.
Prevalece o entendimento doutrinário de que os elementos
componentes do crime são: Fato Típico, Ilicitude e Culpabilidade, os
denominados substratos do crime.
O Fato Típico, como primeiro substrato do crime pode ser
considerado como um fato humano indesejado, consistente numa conduta
produtora de um resultado, o qual se ajusta formal e materialmente ao
tipo penal.
Assim sendo, seus elementos são: conduta, resultado, nexo causal e
tipicidade. Percebe-se, portanto que para a existência de um crime, é
imprescindível a existência de nexo de causalidade entre a conduta e o
resultado.
Para explicar a Relação de Causalidade tem-se a Teoria da
Conditio sine qua non – Teoria da
Equivalência das Condições. Para
tanto, considera-se causa as condutas anteriores ao resultado.
Mesmo em se utilizando o método hipotético de eliminação, onde no
campo mental da suposição e da cogitação deve-se proceder a eliminação
da conduta do sujeito ativo para concluir pela persistência ou
desaparecimento do resultado, a Teoria da Equivalência ocasiona diversos
inconvenientes.
Com a finalidade de corrigir imperfeições de teorias anteriores,
surge a Teoria da Imputação Objetiva, evitando-se principalmente o
regresso ao infinito, uma vez que acrescenta à causalidade um nexo
normativo composto de: criação ou incremento de um risco proibido e
realização do risco no resultado.
Para a Teoria da Imputação Objetiva, o resultado normativo apenas
pode vir a ser atribuído ao agente se a sua conduta cria um risco
juridicamente não autorizado e relevante, bem como tal risco
converter-se no resultado jurídico que a norma incriminadora visa a
proibir, e, portanto, as condutas que não se adequam a esse modelo
proposto será considerada atípica e irrelevante para o Direito Penal.
O Crime
A Teoria do crime é a ciência que se preocupa em definir o que
vem a ser um delito de forma geral. Tal delimitação tem bastante
interesse prático, visto que através de seu conceito, pode-se saber
objetivamente o que é considerado ou não um delito.
Sob o enfoque formal, crime é aquilo que esteja estabelecido em
uma norma penal incriminadora, sob ameaça de pena. Pelo enfoque
material, crime pode ser considerado como o comportamento humano
causador de lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado, passível
de sanção penal.
O delito é unitário, contudo, didaticamente, ele pode ser divido
em certas partes, denominadas elementos ou requisitos do crime, os quais
se relacionam logicamente: a tipicidade, a antijuridicidade e a
culpabilidade (este último para q adotam a posição tripartite).
Primeiramente, para que esteja configurado um crime, faz-se
necessário uma conduta humana, que pode ser positiva ou negativa,
caracterizando uma ação ou omissão. Acontece que nem todas as condutas,
por lógica, podem ser consideradas crimes. Há que serem taxadas por lei
penal para que assim sejam consideradas, atendendo ao Princípio da
Reserva Legal.
Para a conduta típica ser considerada crime, esta deve estar
revestida de antijuridicidade, ou seja, deve se apresentar contrária ao
direito, à ordem jurídica vigente. As causas que excluem a ilicitude (ou
antijuridicidade) de um fato típico estão previstas no artigo 23 do
Código Penal, quais sejam: estado de necessidade, legítima defesa,
estrito cumprimento de dever legal e exercício regular de direito.
Ademais, há que se observar um último elemento denominado
Culpabilidade, a qual é aferida pelo seguinte binômio: potencial
consciência da ilicitude e inexigibilidade de conduta diversa.
Os elementos que compõem o crime estão de tal forma
relacionados entre si que a presença da culpabilidade pressupõe a da
antijuridicidade que pressupõe a tipicidade. Assim, não há que se falar
em análise da antijuridicidade se não houver a presença da tipicidade.
Da mesma forma, não é necessário aferir a culpabilidade se o fato não é
antijurídico.
Somente a partir dessa sequência lógica:
tipicidade-antijuridicidade-culpabilidade que as questões referentes à
punibilidade serão suscitadas.
Não se tem uma definição expressa no ordenamento jurídico
brasileiro de crime, sendo este considerado um fato típico, antijurídico
e culpável.
Tipicidade
O Tipo Penal, na definição de Eugênio Raúl Zaffaroni é um
“instrumento legal, logicamente necessário e de natureza
predominantemente descritiva, que tem por função a individualização de
condutas humanas penalmente relevantes”.
Por uma conjugação de Princípios Constitucionais e Penais, tem-se
que na ocasião em que a tutela dos outros ramos do direito tornam-se
insuficientes para resguardar determinado bem jurídico, deve entrar em
cena o Direito Penal. E para tanto, é imprescindível uma lei em sentido
estrito que venha impor ou proibir certa conduta, conforme preleciona o
Princípio da legalidade, sob pena de sanção.
Quando o Estado, portanto, proíbe uma conduta, é um agente
qualquer a pratica, ocorre a chamada subsunção do fato à norma, surgindo
o fenômeno da tipicidade.
Assim, conforme ensina Rogério Greco:
“Tipicidade quer dizer, assim, a subsunção perfeita da conduta
praticada pelo agente ao modelo abstrato previsto na lei penal, isto é, a
um tipo penal incriminador.”
Em mesmo sentido, Muñoz Conde:
“é a adequação de um fato cometido à descrição que dele se faz na
lei penal. Por imperativo da legalidade, em sua vertente do nullum
crimen sine lege, só os fatos tipificados na lei penal como delitos
podem ser considerados como tal.”
Sabe-se, entretanto que para se dimensionar o alcance da
proibição ou imposição da norma, esta deve conter claramente elementos
de natureza objetiva, ou seja, elementos que descrevam a ação, o objeto,
o sujeito ativo e passivo, as circunstâncias do fato etc. Mas há que se
observar também que não há como negar a presença de elementos “não
objetivos” no tipo penal.
Ao longo da evolução da Teorias, o Tipo Penal foi objeto de
muitas modificações ideológicas. Para a Teoria Causalista, e enquanto
esta prevaleceu, o tipo penal apresentava apenas elementos objetivos, e
estes a encerravam, já que o dolo e a culpa não o integravam. Estes eram
previstos na culpabilidade.
A Teoria Causalista, em face de o fato típico prever apenas a
conduta acaba por não abranger os crimes omissivos, e a conduta acaba
por se tornar “cega”, já que o dolo e culpa encontram-se na
culpabilidade.
Com a necessidade, então, de um elemento subjetivo no tipo penal,
é adotada a Teoria Finalista. Assim, o dolo e a culpa foram retirados
da culpabilidade e inseridos no tipo.
Agora o tipo penal passa a conter elementos objetivos e
subjetivos, sendo denominado de tipo complexo, sendo que a ausência de
qualquer desses elementos implicam instantaneamente em atipicidade.
Relação de Causalidade
Para que haja crime é imprescindível a existência de nexo de
causalidade entre a conduta realizada pelo agente e o resultado obtido.
O Código Penal prevê em seu artigo 13 que o resultado, de que
depende a existência do crime, somente pode ser imputável a quem lhe deu
causa. Em sua parte final, afirma-se que causa é a ação ou omissão sem a
qual o resultado não teria ocorrido.
É conhecida Teoria da Conditio sine qua non, ou Teoria da
equivalência dos antecedentes, que determina a relação de causalidade.
Causa, portanto, para essa teoria, se perfaz no somatório de todas as
condições (qualquer antecedente, seja ou não uma atividade humana) que
produz determinado resultado.
Para que determinada conduta antecedente seja então considerada
causa de um resultado, utiliza-se o “juízo hipotético de eliminação”.
Melhor explicando, Miguel Reale Jr:
“Todas as condições consideram-se causa do resultado, desde que
imprescindíveis ã sua produção. Se, hipoteticamente, suprimindo-se uma
condição suprime-se o resultado, essa condição sine que non é causa
desse resultado. Logo, todas as condições, que a eliminação a posteriori
revela serem necessárias à produção do evento, são equivalentes.”
Ocorre que a utilização “desregrada” desta teoria traz
inconvenientes, tais como o regresso ao infinito. Assim, alcançar-se-ia a
mais remota das condições, que seria considerada uma causa necessária à
realização do resultado.
Como ilustração, tem-se o exemplo citado por Bittencourt:
“No exemplo clássico do homicídio que mata a vítima com um tiro
de revólver, evidentemente que sua conduta foi necessária à produção do
evento, logo é causa. Mas o comerciante que lhe vendeu a arma também foi
indispensável na ocorrência do evento, então também é causa. Se
remontarmos ainda mais, teríamos de considerar causa a fabricação da
arma, e até os pais do criminoso que o geraram seriam causadores. Mas
essa conclusão se tornaria inconciliável com os propósitos do Direito
Penal.”
Não há dúvidas, portanto, que para limitar o alcance da Teoria da
Conditio sine qua non, a fim de evitar a inconveniente extensão ao
infinito, deve-se haver uma relação valorada entre a conduta e o
resultado. Ou seja, o limite encontra-se na observação do vinculo
subjetivo do agente, no dolo e na culpa.
Como estabelecer um nexo de causalidade quando o agente permanece inativo, como, por exemplo, nos crimes omissivos?
Essa indagação refere-se aos crimes omissivos impróprios, os
quais o agente tem o dever de agir com a finalidade de evitar que se
concretize determinado resultado.
Acontece que na omissão, o sujeito é um expectador dos fatos, o
qual a lei lhe atribui o dever de impedir que o resultado aconteça.
Nesse sentido, Bitencourt:
“Na omissão ocorre o desenrolar de uma cadeia causal que não foi
determinada pelo sujeito, que se desenvolve de maneira estranha a ele,
da qual é um mero observador. Acontece que a lei determina-lhe a
obrigação de intervir nesse processo, impedindo que produza o resultado
que se quer evitar. Ora, se o agente não intervem, não se pode dizer que
causou o resultado, que foi produto daquela energia estranha a ele, que
determinou o processo causal.”
Vê-se que nos crimes omissivos impróprios o agente não causou
verdadeiramente o resultado, mas tão-somente não o impediu. A Teoria da
Equivalência dos antecedentes não soluciona a questão. Para tanto, surge
a Teoria da Imputação Objetiva, que busca solucionar esses e outros
inconvenientes.
Teoria da Imputação Objetiva
A Teoria da Imputação Objetiva teve seu início na Alemanha, que
teve se conceito inicial a partir de Hegel, com revisões posteriores de
Richard Hönig, no ano de 1930. Em 1970, entretanto, a Teoria foi
retomada, desenvolvida e aperfeiçoada por Claus Roxin, que estabeleceu
os seus contornos atuais.
Esta Teoria propõe um novo sistema penal. Ela vem pra corrigir
imperfeições das doutrinas anteriores, problemas que não foram
solucionados pelo causalismo e finalismo, trazendo uma nova metodologia
de análise e delimitação do alcance do tipo objetivo.
Traz para o Direito Penal novos conceitos, tais como “risco
permitido”e “risco proibido”, além de utilizar os critérios e princípios
da confiança, da proibição de regresso, do consentimento e
participação do ofendido, dos conhecimentos especiais do autor a
respeito de condições e circunstâncias pessoais da vítima ou da situação
de fato.
Para a referida Teoria, o resultado normativo apenas pode vir a
ser atribuído ao agente se a sua conduta cria um risco juridicamente não
autorizado e relevante, bem como tal risco converter-se no resultado
jurídico que a norma incriminadora visa a proibir.
Essa concepção reflete diretamente no terreno da tipicidade.
Aqui, o tipo penal passa a conter um elemento normativo, o qual sua
ausência acarretaria em atipicidade da conduta ou do resultado.
Conforme já explicitado no presente trabalho, a doutrina
tradicional prev6e como elementos do fato típico: a conduta, o
resultado, o nexo causal e a tipicidade. A novidade da Teoria da
Imputação Objetiva reside justamente em trazer um elemento complementar,
qual seja: que o agente, ao realizar a conduta, crie um relevante risco
juridicamente proibido ao objeto (jurídico), concretizando, assim, um
resultado normativo.
Portanto, a imputação objetiva consegue ser aplicável a qualquer
tipo de crime, seja ele doloso, culposo, comissivo, omissivo, de
resultado, de mera conduta, consumado, tentado etc. O resultado que
interessa é o resultado jurídico, e não o naturalístico.
A Teoria da Imputação Objetiva está intimamente ligada ao
Princípio da Ofensividade, previsto no artigo 98, I da Constituição
Federal. As condutas irrelevantes que não produzem risco proibido a
interesses jurídicos são tornadas atípicas, o que se encaixa
perfeitamente na tendência descriminalizadora e despenalizadora do
Direito Penal moderno, o Direito Penal Mínimo.
Há, também, que se levar em consideração a economia processual, a
partir da antecipação da exclusão de determinadas condutas e resultados
que as doutrinas clássicas o fazem na esfera da ilicitude,
culpabilidade ou até mesmo na sentença de mérito. A Imputação Objetiva,
conferindo a atipicidade à conduta ou evento, impede a persecução penal
em seu início, evitando a desnecessária apreciação de todos os demais
elementos do crime (a ilicitude e a culpabilidade).
Conclusão
A partir de todo o exposto, pode-se concluir que a Teoria da
Equivalência dos Antecedentes não explica o nexo causal existente em
crimes omissivos e, portanto, se fazia necessário a introdução de uma
nova teoria, que pudesse mais objetivamente esclarecer diversas dúvidas
que pairavam no direito penal.
Ademais, a teoria da Imputação Objetiva consegue ser aplicável a
qualquer tipo de crime. Seja ele doloso, culposo, omissivo, de
resultado, de mera conduta, consumado, tentado etc.
Há que se observar uma grande inovação trazida pela Teoria da
Imputação Objetiva, uma vez concluída pela não imputação objetiva, ou
seja, quando da ausência do nexo normativo, o fato é atípico.
Por fim, nota-se que a Teoria da Imputação Objetiva já vem sendo
aplicado no direito penal brasileiro, sendo defendida por diversos
doutrinadores e até mesmo já podendo ser observada em recentes
julgamentos.
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