
Entre tantas condutas criminalizadas pela legislação brasileira,
algumas mantêm características peculiares que exigem uma análise em um
campo sistêmico e doutrinário, supletiva às ações estatais refletidas na
aplicação da Justiça Criminal.
No Brasil, somente no ano de 2015, ocorreram, em números absolutos 52.463 homicídios dolosos (Anuário Brasileiro de Segurança Pública,
ano 10). Esses dados refletem aspectos amplos e divergentes, mas avocam
a necessidade de mudanças evidentes desde o âmbito social até a atuação
preventiva e repressiva das instituições de Segurança Pública.
É nesse contexto que exsurge um fenômeno temporal e excêntrico
durante a construção da persecução penal de crimes de homicídios
dolosos, que ousamos intitular de Teoria do Homicídio Fantasma.
O Estado, obrigatoriamente, quando da existência de um fato típico
dessa natureza, inicia todo o processo necessário à aplicação do jus puniende, através do indispensável inquérito policial.
Indispensável por que, além do alicerce formal trazido pelo
legislador nos artigos 5º e 12º do CPP, a efetividade prática do
instrumento técnico como base quase que exclusiva das ações penais o
fundamentam como um mecanismo, denominado pelo ilustre delegado de
polícia Henrique Hoffmann, de filtro processual primário.
Assim, a proposição da autoria dos delitos de homicídios, conjugada
com a produção de provas sedimentadas no Inquérito Policial, tornam-se o
eixo da ação penal que poderá resultar em uma concreta atividade da
Justiça Criminal, produzindo os múltiplos efeitos almejados pela
aplicabilidade das penas.
Acontece que a realidade sócio-criminológica brasileira não é tão
simples, padecendo da interferência direta de inúmeros fatores no
arcabouço penal que proporcionam resultados negativos, e, refutam a
necessidade de transformações, como nas causas determinantes da teoria
em referência.
Através de uma análise empírica construída ao longo de anos de
atividade na Polícia Judiciária de alguns Estados do País, materializada
em um raciocínio lógico – dedutivo, verifiquei a incidência reiterada
de um evento ordinário no transcorrer de investigações relacionadas a
crimes dolosos de homicídio, especificamente a existência de inquéritos
policiais que apuram esse tipo penal contendo informações mínimas de
autoria não transformadas em prova processual técnica.
Fato até aceitável, considerando o universo infindo e obstáculos
comuns da esfera criminal, todavia, percebemos a repetição da situação
em outros procedimentos policiais. Ou seja, um possível autor, acaba
sendo investigado na condição de sujeito ativo de vários crimes contra a
vida, mas continua sem responder a qualquer processo judicial, e,
naturalmente a praticar crimes semelhantes.
Em decorrência da complexidade dessas investigações, dos efeitos da
violência, do aumento da criminalidade organizada e do tempo de
conclusão dos procedimentos, surge então um fenômeno de caráter prático
fatídico. O “suposto autor” de vários homicídios chega ao óbito durante a
fase policial, colocando um ponto final na sua condição de investigado,
com base no instituto da extinção da punibilidade, previsto no artigo
107, inciso I do CPB.
Destarte, como resultado da persecução penal interrompida em centenas
de casos de homicídio, visto que não foi possível ao menos iniciar a
fase judicial, entendo que o incidente factual delineado sustenta a
existência de uma Teoria do Homicídio Fantasma.
O fato recorrente de um suposto autor de vários homicídios
chegar ao óbito(independentemente do motivo) durante a fase
investigativa, estabelece uma condição de parte fantasma no
processo, já que não há sequer um ato de indiciamento policial, por via
de consequência, fomenta-se à impunidade, circunstância que proporciona a
Justiça Penal uma incapacidade técnica de responder aos seus objetivos
sustentando a falta de credibilidade estatal.
Vale destacar, antes que se associe à ineficácia da produção de
provas a falência do Estado Polícia ou provável ineficiência da Polícia
Judiciária, que a investigação de crimes de homicídios dolosos envolvem
aspectos extremamente amplos que percorrem o campo socioeconômico, o
aperfeiçoamento da legislação, e, terminam nas minúcias dos atos
investigativos que exigem profissionais plenamente capacitados, com
recursos estruturais e ferramentas tecnológicas adequadas.
Além disso, devemos ponderar a existência de outras causas de
interrupção no Sistema Criminal, como a prescrição, que provocam
impactos semelhantes à tese exposta.
Em que pese interpretações contrárias, a concepção da Teoria do Homicídio Fantasma não
é revelar situações fatídicas que se revestem de aspectos negativos
para a Justiça Criminal, mas sim expor os efeitos danosos à sociedade,
para que se alcance medidas palpáveis em contraponto à problemática da
incapacidade estatal no limiar da persecução penal de homicídios
dolosos.
A atuação do Estado, por meio de políticas públicas de prevenção,
reformulação do sistema processual penal, aplicação proativa de recursos
voltados para melhoria do aparato policial, entre tantas outras ações,
deve ser imediatamente repensada, por que não é aceitável continuarmos
vivendo em uma sociedade sem uma Justiça Penal ideal.
Fonte : Canal Ciências Criminais
Acontece que a realidade sócio-criminológica brasileira não é tão simples, padecendo da interferência direta de inúmeros fatores no arcabouço penal que proporcionam resultados negativos, e, refutam a necessidade de transformações, como nas causas determinantes da teoria em referência.
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