Quando a infração deixa vestígios
A perícia surge com a necessidade da
prova material para auxiliar o juiz na solução e elucidação dos vários
delitos surgidos na sociedade como um todo, e como não poderia deixar de
ser, as ocorrências de tráfego também necessita dos exames periciais.
Isso se dá pelo motivo da lei processual penal brasileira vigente
expressar com muita clareza a legalidade da perícia sempre que a
infração penal deixar vestígios.
Art. 158 (CPP).
Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo
de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do
acusado.
Além disso, a lei determina que os
peritos deverão elaborar o laudo pericial, onde descreverão
minuciosamente o que examinarem, e responderão aos quesitos formulados.
- Da preservação de local de acidente de tráfego
É importante deixar bem claro que nos
casos de acidentes sem vítimas e com testemunhas do ocorrido, as partes
envolvidas devem deslocar os veículos para não obstruir a passagem dos
outros carros, sob pena, inclusive, de infração e aplicação de multa
pelo agente da autoridade de trânsito (Ver Art. 178 do CTB). Entretanto,
se o acidente for mais complexo e houver divergência entre os
envolvidos sobre quem foi o responsável pela colisão, ou houver vítimas,
os condutores e envolvidos devem aguardar os agentes de trânsito,
peritos, e socorristas, se for o caso (Ver Art. 176 do CTB).
Lei nº 5.970 – de 11 de dezembro de 1973
Autoriza a descaracterização do local de acidente de tráfego
Art. 1º Em caso de
acidente de trânsito, a autoridade ou agente policial que primeiro tomar
conhecimento do fato poderá autorizar, independentemente de exame do
local, a imediata remoção das pessoas que tenham sofrido lesão, bem como
dos veículos nele envolvidos, se estiverem no leito da via pública e
prejudicarem o tráfego.
Parágrafo único.
Para autorizar a remoção, a autoridade ou agente policial lavrará
boletim da ocorrência, nele consignado o fato, as testemunhas que o
presenciaram e todas as demais circunstâncias necessárias ao
esclarecimento da verdade.
- Conceitos
Trânsito: é a utilização
das vias por pessoas, veículos e animais, isolados ou em grupos,
conduzidos ou não, para fins de circulação, parada, estacionamento e
operação de carga ou descarga.
Tráfego: é o movimento
de pedestres, veículos ou animais sobre vias terrestres, considerando
quanto a cada unidade de per si, isto é, a dinâmica do deslocamento
físico de pessoas, animais e veículos no seu aspecto individual.
Acidente de tráfego: é o
incidente involuntário do qual participam, pelo menos, um veículo em
movimento; pedestres e obstáculos fixos, isolados ou conjuntamente,
ocorridos numa via terrestre, resultando danos ao patrimônio, lesões
físicas ou morte.
Via: superfície por onde
transitam veículos, pessoas e animais, compreendendo a pista, a
calçada, o acostamento, ilha e canteiro central. São vias terrestres
urbanas ou rurais as ruas, as avenidas, os logradouros, os caminhos, as
passagens, as estradas e as rodovias, que tenham seu uso regulamentado
pelo órgão ou entidade com circunscrição sobre elas.
Pista: corresponde à parte da via normalmente utilizada para a circulação de
veículos, possuindo elementos separadores
(linha de bordo nas rodovias por exemplo) ou por diferença de nível em
relação às calçadas, canteiros ou ilhas (meio fio por exemplo), assim
chamada de pista de rolamento.
Faixa de trânsito: tabém chamada de faixa de rolamento, representa cada um dos trechos carroçáveis de uma pista de rolamento.
Unidade de tráfego: são
assim considerados todos os veículos automotores (caminhões, automóveis,
motocicletas, ônibus), os de tração animal (carroças), os de tração ou
propulsão humana (bicicletas), pedestres, animais de porte arrebanhados
ou montados.
- O que faz a perícia em local de acidente de trafego?
A perícia, em locais de acidentes de
tráfego, significa registrar os veículos, destroçados, as posições, as
situações, a natureza das avarias, as condições operacionais dos
veículos, suas posições de imobilizações, os cadáveres, se houver, as
manchas em geral, os vestígios de solo (as marcas de derrapagem,
frenagem e outras deixadas no pavimento), os demais elementos que podem
se desprender das carrocerias, o estado do solo, as sinalizações etc.; e
a partir da complexidade de todos os elementos levantados,
processa-los, e através de dedução e indução lógicas, fazer a
recomposição do evento, e contar através da dinâmica o modo como ocorreu
o evento, bem como, formular juízo técnico de valor confiável.
O levantamento de local de acidente de
trânsito para posterior redação do laudo pericial efetuado por perito é
instrumento imprescindível nos processos judiciais envolvendo
ocorrências dessa natureza, uma vez que a partir do trabalho inicial de
levantamento é que resultará a definição da causa determinante para um
acidente.
Cabe ao perito responsável pelo
levantamento um cuidado especial no uso dos termos técnicos referentes a
esse tão importante procedimento, para que nos laudos periciais se
evite ambigüidade de termos, termos inexistentes ou até mesmo ausência
de dados que possam ser ignorados por não se conhecer a maneira adequada
de se relatar.
Conhecidos os critérios para se identificar uma via e os seus elementos,
a definição de sua velocidade máxima, os critérios para se classificar
os veículos envolvidos em um acidente, a topografia dos veículos para a
localização das sedes de impacto e os tipos de colisão mais comuns,
passemos à definição dos vestígios mais comuns relacionados aos
acidentes de trânsito.
FRENAGEM: consiste em
marca pneumática impressa na superfície asfáltica, caracterizada pelo
desprendimento de material dos pneumáticos devido ao aquecimento quando
da aplicação dos freios no processo de parada dos veículos.
Pode ocorrer em vias de terra
batida, onde não se observa o desprendimento de material dos
pneumáticos, mas fica evidente o revolvimento de terra no trecho em que o
veículo percorreu no processo de desaceleração. Atualmente devido aos
sistemas de freios do tipo ABS, a frenagem em superfície asfáltica, nos
casos em que envolvem veículos com esses dispositivos não ficam tão
evidentes.
DERRAPAGEM: consiste em
marca pneumática impressa na superfície asfáltica, caracterizada pelo
desprendimento de material dos pneumáticos devido ao aquecimento quando
da aplicação dos freios no processo de parada dos veículos. A derrapagem
se diferencia da frenagem pelo seguinte aspecto: quando da derrapagem o
veículo se encontra sob ação de dois movimentos, sendo um na direção
longitudinal da unidade veicular e outro movimento na direção
transversal, o que resulta em movimento oblíquo.
FRICÇÃO: a fricção se
caracteriza por marcas de contato entre as partes metálicas de um
veículo e uma superfície dura, asfalto ou concreto.
SULCAGEM: a sulcagem é
decorrente do contato violento entre as partes metálicas de uma unidade
veicular e a superfície asfáltica ou de concreto, caracterizada pela
retirada de parte da camada da superficial da pista. A sulcagem demarca
na pista um sulco, bem característico o que a diferencia das marcas de
fricção, pelo aspecto de sua maior violência no contato entre a unidade
veicular e o trecho da via.
FRAGMENTOS: peças
desprendidas dos veículos quando de uma colisão. Diversos são os
fragmentos encontrados em um local de acidente: fragmentos de vidro,
partes de farol, pára-choques, partes metálicas, fragmentos de partes
plásticas entre outros.
Definir as posições de tais
fragmentos auxiliam na definição da trajetória dos veículos envolvidos,
bem como são elementos que auxiliam no cálculo da velocidade dos
veículos pela projeção dos fragmentos.
LÍQUIDOS: após a
colisão, devido aos danos, os veículos podem derramar óleo, combustível
ou mesmo água, que ficam depositados na pista. Os vestígios como os
líquidos auxiliam na definição da trajetória dos veículos envolvidos.
MATERIAL ORGÂNICO:
manchas de sangue, pêlos, desprendimento de pele e até mesmo ossos são
encontrados em locais de acidentes de trânsito. Tais fragmentos,
conforme os outros vestígios devem ser catalogados, identificados e
localizados nos croquis quando do levantamento. Havendo necessidade,
dependendo do tipo de acidente, tais vestígios devem ser coletados para
posterior identificação da origem do material orgânico.
CARGAS: veículos que
portam carga, após um acidente podem ter seu conteúdo espalhados pela
pista ou ainda ter todo ou parte do conteúdo dentro do compartimento de
carga. Em tais condições, a carga de um veículo é importante item de
análise de um acidente, mas também deve ser elemento relevante quanto à
segurança daqueles que estão envolvidos no levantamento do local. Cargas
explosivas, tóxicas ou cargas instáveis são motivos para se redobrar os
cuidados com a segurança. Cuidados que trataremos mais à frente.
SÍTIO DE COLISÃO: dentro
desse conjunto de vestígios que podemos encontrar em um local de
acidente de trânsito necessariamente devemos destacar o sítio de
colisão. Consiste o sítio de colisão em área na pista de rolamento, ou
mesmo fora dela, onde ocorreu o contato ou impacto entre dois veículos
ou entre um veículo e um ou mais pedestres. O sitio de colisão é um
vestígio secundário, ou seja, a sua determinação é feita a partir de
outros vestígios. A área onde se constata desvio abrupto de marcas de
frenagem, áreas onde se observa superposição de marcas de frenagem,
presença de marcas de fricção e sulcagens concentradas juntamente com
marca de frenagem possuem elementos que auxiliam na determinação de um
sítio de colisão. é Desaconselhável o uso do termo ponto de colisão, uma
vez que se entende ser impossível demarcar na pista o exato ponto onde
houve uma colisão, sendo então a nomenclatura sítio de colisão como
sendo a mais adequada, por tratar a região como sendo uma área onde
houve a colisão. Podendo ainda ser demarcada na pista uma área de
colisão com seu respectivo ponto central.
OBSERVAÇÃO: mais
importante que catalogar os vestígios em um local de acidente de
trânsito é fazer a correlação desses vestígios entre os veículos
envolvidos, com as vítimas e com a via. Por exemplo, é fundamental
definir no local a que veículo pertence determinada frenagem, a que
veículo pertence um fragmento de farol, ou ainda, qual dos veículos
envolvidos em um acidente teve contato com este ou aquele obstáculo da
via. Por óbvio, tais definições só podem ser feitas no local do
acidente. Não pode um perito a partir de fotografias ou a partir de
lembranças do local fazer ilações quanto à dinâmica de um acidente se
não tem elementos comprobatórios para tal. O princípio físico da ação e
da reação pode ser aqui utilizado para lembrar que aquele que toca
também é tocado, e que a busca por vestígios em local de acidente de
trânsito deve ser feita norteada por esse princípio.
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