quarta-feira, 9 de março de 2016

André Luis do Nascimento Faustino - Quando a infração deixa vestígios

                                                 Quando a infração deixa vestígios

A perícia surge com a necessidade da prova material para auxiliar o juiz na solução e elucidação dos vários delitos surgidos na sociedade como um todo, e como não poderia deixar de ser, as ocorrências de tráfego também necessita dos exames periciais. Isso se dá pelo motivo da lei processual penal brasileira vigente expressar com muita clareza a legalidade da perícia sempre que a infração penal deixar vestígios.
Art. 158 (CPP). Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.
Além disso, a lei determina que os peritos deverão elaborar o laudo pericial, onde descreverão minuciosamente o que examinarem, e responderão aos quesitos formulados.
  • Da preservação de local de acidente de tráfego
É importante deixar bem claro que nos casos de acidentes sem vítimas e com testemunhas do ocorrido, as partes envolvidas devem deslocar os veículos para não obstruir a passagem dos outros carros, sob pena, inclusive, de infração e aplicação de multa pelo agente da autoridade de trânsito (Ver Art. 178 do CTB). Entretanto, se o acidente for mais complexo e houver divergência entre os envolvidos sobre quem foi o responsável pela colisão, ou houver vítimas, os condutores e envolvidos devem aguardar os agentes de trânsito, peritos, e socorristas, se for o caso (Ver Art. 176 do CTB).
Lei nº 5.970 – de 11 de dezembro de 1973
Autoriza a descaracterização do local de acidente de tráfego
Art. 1º Em caso de acidente de trânsito, a autoridade ou agente policial que primeiro tomar conhecimento do fato poderá autorizar, independentemente de exame do local, a imediata remoção das pessoas que tenham sofrido lesão, bem como dos veículos nele envolvidos, se estiverem no leito da via pública e prejudicarem o tráfego.
Parágrafo único. Para autorizar a remoção, a autoridade ou agente policial lavrará boletim da ocorrência, nele consignado o fato, as testemunhas que o presenciaram e todas as demais circunstâncias necessárias ao esclarecimento da verdade.
  • Conceitos
Trânsito: é a utilização das vias por pessoas, veículos e animais, isolados ou em grupos, conduzidos ou não, para fins de circulação, parada, estacionamento e operação de carga ou descarga.
Tráfego: é o movimento de pedestres, veículos ou animais sobre vias terrestres, considerando quanto a cada unidade de per si, isto é, a dinâmica do deslocamento físico de pessoas, animais e veículos no seu aspecto individual.
Acidente de tráfego: é o incidente involuntário do qual participam, pelo menos, um veículo em movimento; pedestres e obstáculos fixos, isolados ou conjuntamente, ocorridos numa via terrestre, resultando danos ao patrimônio, lesões físicas ou morte.
Via: superfície por onde transitam veículos, pessoas e animais, compreendendo a pista, a calçada, o acostamento, ilha e canteiro central. São vias terrestres urbanas ou rurais as ruas, as avenidas, os logradouros, os caminhos, as passagens, as estradas e as rodovias, que tenham seu uso regulamentado pelo órgão ou entidade com circunscrição sobre elas.
Pista: corresponde à parte da via normalmente utilizada para a circulação de
veículos, possuindo elementos separadores (linha de bordo nas rodovias por exemplo) ou por diferença de nível em relação às calçadas, canteiros ou ilhas (meio fio por exemplo), assim chamada de pista de rolamento.
Faixa de trânsito: tabém chamada de faixa de rolamento, representa cada um dos trechos carroçáveis de uma pista de rolamento.
Unidade de tráfego: são assim considerados todos os veículos automotores (caminhões, automóveis, motocicletas, ônibus), os de tração animal (carroças), os de tração ou propulsão humana (bicicletas), pedestres, animais de porte arrebanhados ou montados.
  • O que faz a perícia em local de acidente de trafego?
A perícia, em locais de acidentes de tráfego, significa registrar os veículos, destroçados, as posições, as situações, a natureza das avarias, as condições operacionais dos veículos, suas posições de imobilizações, os cadáveres, se houver, as manchas em geral, os vestígios de solo (as marcas de derrapagem, frenagem e outras deixadas no pavimento), os demais elementos que podem se desprender das carrocerias, o estado do solo, as sinalizações etc.; e a partir da complexidade de todos os elementos levantados, processa-los, e através de dedução e indução lógicas, fazer a recomposição do evento, e contar através da dinâmica o modo como ocorreu o evento, bem como, formular juízo técnico de valor confiável.
O levantamento de local de acidente de trânsito para posterior redação do laudo pericial efetuado por perito é instrumento imprescindível nos processos judiciais envolvendo ocorrências dessa natureza, uma vez que a partir do trabalho inicial de levantamento é que resultará a definição da causa determinante para um acidente.
Cabe ao perito responsável pelo levantamento um cuidado especial no uso dos termos técnicos referentes a esse tão importante procedimento, para que nos laudos periciais se evite ambigüidade de termos, termos inexistentes ou até mesmo ausência de dados que possam ser ignorados por não se conhecer a maneira adequada de se relatar.

Conhecidos os critérios para se identificar uma via e os seus elementos, a definição de sua velocidade máxima, os critérios para se classificar os veículos envolvidos em um acidente, a topografia dos veículos para a localização das sedes de impacto e os tipos de colisão mais comuns, passemos à definição dos vestígios mais comuns relacionados aos acidentes de trânsito. 

FRENAGEM: consiste em marca pneumática impressa na superfície asfáltica, caracterizada pelo desprendimento de material dos pneumáticos devido ao aquecimento quando da aplicação dos freios no processo de parada dos veículos.
       Pode ocorrer em vias de terra batida, onde não se observa o desprendimento de material dos pneumáticos, mas fica evidente o revolvimento de terra no trecho em que o veículo percorreu no processo de desaceleração. Atualmente devido aos sistemas de freios do tipo ABS, a frenagem em superfície asfáltica, nos casos em que envolvem veículos com esses dispositivos não ficam tão evidentes.
DERRAPAGEM: consiste em marca pneumática impressa na superfície asfáltica, caracterizada pelo desprendimento de material dos pneumáticos devido ao aquecimento quando da aplicação dos freios no processo de parada dos veículos. A derrapagem se diferencia da frenagem pelo seguinte aspecto: quando da derrapagem o veículo se encontra sob ação de dois movimentos, sendo um na direção longitudinal da unidade veicular e outro movimento na direção transversal, o que resulta em movimento oblíquo.
FRICÇÃO: a fricção se caracteriza por marcas de contato entre as partes metálicas de um veículo e uma superfície dura, asfalto ou concreto.
SULCAGEM: a sulcagem é decorrente do contato violento entre as partes metálicas de uma unidade veicular e a superfície asfáltica ou de concreto, caracterizada pela retirada de parte da camada da superficial da pista. A sulcagem demarca na pista um sulco, bem característico o que a diferencia das marcas de fricção, pelo aspecto de sua maior violência no contato entre a unidade veicular e o trecho da via.
FRAGMENTOS: peças desprendidas dos veículos quando de uma colisão. Diversos são os fragmentos encontrados em um local de acidente: fragmentos de vidro, partes de farol, pára-choques, partes metálicas, fragmentos de partes plásticas entre outros.
            Definir as posições de tais fragmentos auxiliam na definição da trajetória dos veículos envolvidos, bem como são elementos que auxiliam no cálculo da velocidade dos veículos pela projeção dos fragmentos.
LÍQUIDOS: após a colisão, devido aos danos, os veículos podem derramar óleo, combustível ou mesmo água, que ficam depositados na pista. Os vestígios como os líquidos auxiliam na definição da trajetória dos veículos envolvidos.
MATERIAL ORGÂNICO: manchas de sangue, pêlos, desprendimento de pele e até mesmo ossos são encontrados em locais de acidentes de trânsito. Tais fragmentos, conforme os outros vestígios devem ser catalogados, identificados e localizados nos croquis quando do levantamento. Havendo necessidade, dependendo do tipo de acidente, tais vestígios devem ser coletados para posterior identificação da origem do material orgânico.
CARGAS: veículos que portam carga, após um acidente podem ter seu conteúdo espalhados pela pista ou ainda ter todo ou parte do conteúdo dentro do compartimento de carga. Em tais condições, a carga de um veículo é importante item de análise de um acidente, mas também deve ser elemento relevante quanto à segurança daqueles que estão envolvidos no levantamento do local. Cargas explosivas, tóxicas ou cargas instáveis são motivos para se redobrar os cuidados com a segurança. Cuidados que trataremos mais à frente.

SÍTIO DE COLISÃO: dentro desse conjunto de vestígios que podemos encontrar em um local de acidente de trânsito necessariamente devemos destacar o sítio de colisão. Consiste o sítio de colisão em área na pista de rolamento, ou mesmo fora dela, onde ocorreu o contato ou impacto entre dois veículos ou entre um veículo e um ou mais pedestres. O sitio de colisão é um vestígio secundário, ou seja, a sua determinação é feita a partir de outros vestígios. A área onde se constata desvio abrupto de marcas de frenagem, áreas onde se observa superposição de marcas de frenagem, presença de marcas de fricção e sulcagens concentradas juntamente com marca de frenagem possuem elementos que auxiliam na determinação de um sítio de colisão. é Desaconselhável o uso do termo ponto de colisão, uma vez que se entende ser impossível demarcar na pista o exato ponto onde houve uma colisão, sendo então a nomenclatura sítio de colisão como sendo a mais adequada, por tratar a região como sendo uma área onde houve a colisão. Podendo ainda ser demarcada na pista uma área de colisão com seu respectivo ponto central.

OBSERVAÇÃO: mais importante que catalogar os vestígios em um local de acidente de trânsito é fazer a correlação desses vestígios entre os veículos envolvidos, com as vítimas e com a via. Por exemplo, é fundamental definir no local a que veículo pertence determinada frenagem, a que veículo pertence um fragmento de farol, ou ainda, qual dos veículos envolvidos em um acidente teve contato com este ou aquele obstáculo da via. Por óbvio, tais definições só podem ser feitas no local do acidente. Não pode um perito a partir de fotografias ou a partir de lembranças do local fazer ilações quanto à dinâmica de um acidente se não tem elementos comprobatórios para tal. O princípio físico da ação e da reação pode ser aqui utilizado para lembrar que aquele que toca também é tocado, e que a busca por vestígios em local de acidente de trânsito deve ser feita norteada por esse princípio.

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